sexta-feira, 10 de junho de 2011

Uma entrevista

Uma entrevista de João Brito Sousa, para o jornal algarvio «O Olhanense», publicado em Maio passado.

À conversa com António Manuel Venda

Tive contacto com a obra literária do escritor António Manuel Venda, através de conversas tidas com o meu José Carlos Vilhena Mesquita, também escritor, além de historiador e professor. Na opinião desta eloquente personalidade, «a narrativa de António Manuel Venda enquadra-se perfeitamente na definição clássica de romance», sendo que, «acima de tudo, escreve primorosamente bem, numa linguagem escorreita e absolutamente correcta na estrutura frásica e na concordância gramatical, em que por vezes o autor se coloca, diegeticamente, com pruridos de perfeccionista».

Qual o livro que tem à cabeceira neste momento? Pode falar-nos dele?
Esta não é uma boa altura para responder a uma pergunta assim. São vários, porque os que para lá tenho levado têm sido uma desilusão. Por isso o melhor é não dizer títulos nem nomes de autores. Excepto num caso, um romance de Graham Greene chamado «O Factor Humano». Comecei a ler pelos azares com os outros seis ou sete que tinha ido acumulando e a princípio ainda estive um bocado apreensivo, mas depois revelou-se uma boa surpresa – uma história de agentes secretos onde as relações humanas acabam por ser o maior mistério.
Um livro que tenha gostado muito de ler... Dos inesquecíveis. Fale-nos dele também?
Tinha de ser de um dos meus escritores preferidos, o colombiano Santiago Gamboa, mas também podia ser um dos romances do espanhol Javier Cercas ou um dos do chileno Roberto Ampuero. Chama-se «Os Impostores» e passa-se na China, país para onde viajam diversas personagens absolutamente geniais.
Considera-se um escritor? O que é para si um escritor? O escritor tem obrigações?
Muita da minha vida tem a ver com a escrita, seja no trabalho ligado ao jornalismo, seja nos meus livros. O facto de ser ou não escritor tem mais a ver com o que pensam de nós do que com o que nós pensamos sobre o assunto. Há quem me considere escritor, há quem de certeza pense que não, há até quem não saiba que eu existo. Quanto a obrigações de um escritor, não acho que tenha mais do que as outras pessoas, mas convém estar à vontade com o idioma que usa, coisa que como se sabe nem sempre acontece.
O que está a escrever agora?
Tento escrever um romance, de uma série que se pode aproximar do género policial. E tenho vindo a escrever alguns contos de dois projectos: novas histórias do pequeno Tukie, o miúdo que é o protagonista do meu livro mais recente – «O Sorriso Enigmático do Javali» –, e um conjunto de contos passados numa câmara municipal, num ambiente que conheço bem.
O primeiro dever de quem fala é dizer o que pensa, disse o presidente Sidónio Pais na sua tese doutoramento. Concorda?
Aí está um tema em que não gosto de falar em deveres nem de fazer hierarquias. Acho que devemos dizer o que pensamos, se quisermos, coisa que na história de Portugal, até na mais recente, nem sempre tem sido possível. No caso da figura que citou, tenho dúvidas de que no tempo dele como presidente fosse conveniente dizer-se o que se pensava.
A literatura pode mudar o mundo?
Talvez já tenha tido o seu tempo para isso. Agora o mundo muda todos os dias, sem precisar da literatura para nada, e surpreende-nos cada vez mais. Tudo ficou demasiado rápido para a literatura.
Acha que se sentiria infeliz sem os seus livros e sem escrever?
À partida acho que sim, mas só passando pela experiência para ter a certeza. Gosto muito de escrever, por isso prefiro ficar sem saber como seria se não escrevesse.
Qual o livro que mais gostou de escrever? E por quê?
Um romance chamado «O Medo Longe de Ti» e logo a seguir o livro mais recente, que já referi. São diferentes, um tem uma história de amor, outro é uma narrativa em que conto as aventuras de um miúdo no Alentejo, mas foram os dois livros que mais me fizeram regressar à infância.
Considera-se um escritor de leitura fácil? Acha que um escritor deve escrever para compreensão de todos? Ou um escritor deverá escrever difícil?
Falo por mim. Escrevo o que me interessa escrever e o que eu próprio consigo entender. Apenas isso. Falar pelos outros é difícil, mas acho que dá para perceber os meus livros, embora certezas nunca se possa ter. Basta pensar na quantidade de livros que eu não consegui entender, ou ler, apesar das tentativas que fiz.
Hemingway escrevia das seis da manhã até ao meio dia, Saramago escrevia duas páginas por dia. E o senhor, como faz?
Bom, aí acho que eles tiveram mais sorte do que eu, porque eu escrevo apenas quando posso.
«Entre o nada e a dor prefiro a dor», disse Faulkner. Que acha?
Não tem muito a ver, mas a frase, talvez pela estrutura, fez-me lembrar um político de má memória mas se calhar não tão mau como os que agora temos que suportar – António Guterres, quando disse que se o colocassem entre a espada e a parede haveria de preferir a espada. Quanto a Faulkner, não me choca a frase do nada e da dor num livro dele, dita por uma personagem, mas conhecendo-lhe a biografia acho que ele na prática iria preferir sempre o nada.
A literatura tem evoluído? Há muita ou pouca gente a escrever em Portugal? Sente que o país tem mercado para os livros?
Há muita gente a escrever, muito mais do que há uns anos, ou pelo menos há muita gente a publicar livros, até pelas mudanças que aconteceram no mundo editorial. Além disso, a Internet também permitiu a muita gente mostrar aquilo que escreve. A literatura tem evoluído não apenas por se tratar de literatura mas porque o mundo evoluiu, evolui todos os dias, e muda, muda muito, como já referi. Quanto ao mercado português, é muito pequeno, mas isso tanto é um problema para os livros como para os produtores de vinho ou para os criadores de galinhas.
O livro é uma mulher, como se dizia em Coimbra?
Nunca pensei muito nisso, embora já tenho ouvido a frase. Mas há uma coisa que muitas vezes aconteceu com os meus livros, escrevê-los por causa de uma mulher, ou a pensar numa mulher. Acho que quem ler alguns deles percebe isso facilmente.
Quando começa a escrever já tem tudo desenhado na mente? E o título, surge antes ou depois?
Quando começo, pelo menos das experiências que tenho, quase nada está desenhado na minha mente. Sei apenas como começa o caminho. Quanto ao título, depende. Já me aconteceu ter o título e pouco saber da história, sobretudo nos contos.
O que é que gostava de responder que não foi perguntado?
A verdade é que não sei. Tenho experiência de fazer perguntas, sobretudo pelo meu trabalho, mas é aos outros. Perguntas a mim? Muito difícil. Mas não quer dizer que não me questione, não, isso faço-o todos os dias.
*****
António Manuel Venda nasceu em Monchique, no Sul de Portugal, em 1968. Publicou vários livros de ficção («Quando o Presidente da República Visitou Monchique por Mera Curiosidade», contos; «Os Abençoados Fiéis do Senhor S. Romão», novela; «Até Acabar com o Diabo», romance; «O Velho que Esperava por D. Sebastião», contos; «Os Sonhos e Outras Perigosas Embirrações», romance; «O Medo Longe de Ti», romance; «O Amor por entre os Dedos», contos; «O que Entra nos Livros», romance); «Uma Noite com o Fogo», romance; e «O Sorriso Enigmático do Javali», narrativa. Destes, alguns receberam prémios literários de instituições como o Instituto Abel Salazar, o Centro Nacional de Cultura, a Câmara Municipal de Almada, a Secretaria de Estado da Cultura e a Sociedade Portuguesa de Autores. Escreve no blog «Floresta do Sul».

3 comentários:

Anónimo disse...

ENTREVISTA

Tive muito prazer em entrevistar o escritor AMV, que me foi referenciado pelo meu partcular amigo e eminente homem de letras, o Prof. Doutor José Carlos Vilhena Mesquita.

Ainda não tive tempo de me debruçar sobre a obra literária de AMV o que prometo para breve.

Porque gostava de comentar a obra para o jornal.

Ab.
JBS

António Souto disse...

Uma entrevista que dá muito bem conta do autor e da sua criação literária.
O desprendimento (modéstia ou humildade, se quisermos) que AMV revela, só lhe valoriza a obra, uma obra tranquila e natural, sem qualquer tipo de pressas, e que por isso a torna original e apetecida.
Vale a pena ser (bem) comentada!

Luis Eme disse...

uma boa conversa.

pelo menos para quem está deste lado.