terça-feira, 14 de junho de 2011

Entrevista – jornal «i»


Entrevista de Diana Garrido, para o jornal «i» (suplemento «LiV», secção «Faz-se assim», edição de fim-de-semana, 11/12.06.11) – a propósito do livro «O Sorriso Enigmático do Javali»

Início do livro: «Junto à vedação da Herdade do Convento, bem perto de onde poucos dias antes tinha retirado dos bicos do arame farpado o corpo de uma garça, o pequeno Tukie viu duas perdizes atravessarem a estrada de terra. Não lhe tomaram medo e entraram tranquilas na herdade, quase a tocarem o primeiro dos arames da vedação. Ele lembrava-se bem de que a garça tinha perdido a vida no terceiro, a pouco mais de meio metro de altura.»

Tem algum método de escrita?
Não se pode dizer que é bem um método. Eu costumo escrever muito depressa para depois trabalhar com calma sobre o que ficou escrito. Posso até mudar tudo várias vezes, ou deitar fora, mas ajuda-me muito escrever a primeira versão o mais depressa que puder, seja de uma página, seja de um conto, seja de um capítulo de um romance.
Tem alguma rotina ou truques?
Rotinas não tenho, sobretudo porque a minha vida vai muito para além da escrita. Se fosse apenas escritor talvez as tivesse. Quanto a truques, o que contei sobre escrever depressa para depois trabalhar sobre isso pode-se dizer que é um truque.
Faz pausas para comer ou qualquer outra coisa?
As pausas que faço enquanto escrevo podem ser por inúmeras razões, minhas, da minha família, do meu trabalho. Talvez o mais correcto seja dizer que eu escrevo durante as pausas de tudo o resto, sem pausas.
É como se fosse um emprego das nove às cinco ou espera pela inspiração?
Pelo que disse, nem é um emprego nem eu espero pela inspiração. É mais normal que escreva à noite, embora durante o dia escreva muito, por causa do meu trabalho ligado ao jornalismo. No fundo, escrevo os meus livros quando posso.
Usa um tipo de letra específico?
Sim, Arial, porque me habituei.
Escreve a computador ou à mão?
Mais no computador. À mão quase só o princípio de um livro, de um capítulo, ou então um conto.
Tem manias do género acabar sempre uma página, por exemplo?
Uma página não. Mas tenho a mania de chegar ao fim, já não digo de um romance, que aí tento ter mais calma, mas de um capítulo. Nos contos é capaz de ser diferente, porque já fui muitas vezes avisado de que os meus contos não acabam.
Pensa logo no título ou surge depois?
Nos meus romances os título chegaram-me quase sempre no fim e nalguns casos muito depois de ter acabado de escrevê-los: por exemplo os romances «O Medo Longe de Ti» e «O que Entra nos Livros», que têm uma ligação, porque o segundo é uma espécie de continuação do primeiro, com uma personagem que vem ter comigo.
Faz algum esboço antes das personagens e da trama?
Não faço. Mas já vi coisas de escrita criativa onde aconselham a fazer. Uma vez li que se deve fazer fichas para as personagens, falar inclusive da roupa e da mobília. Fiquei um bocado atrapalhado, porque me lembrei de que muitas das minhas personagens não tinham mobília, ou pelo menos eu não falava disso. Mas depois passou-me.
A primeira frase da primeira página mantém-se, ou muda depois?
Normalmente mantém-se. Mesmo na escrita inicial rápida de que falei, sujeita a muitas mudanças. Só começo a escrever quando há um ponto de partida em relação ao qual não tenho dúvidas. Se pensar na frase inicial do romance «Uma Noite com o Fogo», por exemplo, ou antes, nas frases, todas as dúvidas para começar a escrevê-lo – e que se prolongaram por quatro ou cinco anos – desapareceram quando descobri as primeiras frases: «Há muito tempo que escrevia este livro. Alguns anos. Mas escrevia-o apenas na minha mente, com o que pensava, com tudo aquilo que ia recordando.»
Evita ler livros quando escreve?
Não. Se puder leio sempre. O problema é que há alturas em que não é fácil arranjar livros que me interessem.
Ouve música enquanto escreve, ou prefere silêncio?
Prefiro o silêncio.
Qual é a sensação que fica, quando termina um livro?
Uma sensação de tranquilidade. Depois de descobrir até onde quero ir com o livro, que é o mais difícil, eu tento chegar lá. E isso custa-me muito, sempre.
Trabalha em mais do que um livro ao mesmo tempo?
Sim. Mas quando encontro o caminho num deles deixo os outros de lado por uns tempos.
O que é que não pode faltar na sua mesa de trabalho?
O computador.
Escreve em casa?
Sim.
Em que é que está a trabalhar neste momento?
Estou a tentar escrever um romance e um livro de contos.
Já deitou fora muita coisa que tenha escrito?
Já. Apago no computador. Ou rasgo folhas de papel. E há muitos anos deitei fora um romance, ainda escrito à máquina. Foi o primeiro que escrevi. Tinha uma história que eu acho que era boa, mas estava mal contada, por isso o melhor foi deitar fora.
Como é que dá o nome às suas personagens?
De muitas formas. Depende dos livros. Nalguns inventei. Noutros foi diferente; por exemplo, num de há muitos anos, chamado «Os Sonhos e Outras Perigosas Embirrações, que tem centenas de personagens, não tive grande trabalho, pois elas existiram quase todas na serra do Algarve; já num que referi há pouco («Uma Noite com o Fogo), praticamente não precisei de nomes, porque tirando eu quase não aparece ninguém.

1 comentário:

Luis Eme disse...

(estou a ler "o velho que esperava d. sebastião" e estou a gostar bastante)

abraço