segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O primeiro erro do arquipélago

Já contei a história uma vez num programa da Antena 1. O dia em que eu deixei de ler os livros de António Lobo Antunes. Eu lia tudo o que o homem escrevia, depois da descoberta de um belíssimo romance chamado «As Naus» (o grande livro de Lobo Antunes e que segundo julgo saber esteve para se chamar «O Regresso das Caravelas»). Lia tudo mas ao mesmo tempo sentia como que uma certa incomodidade, cada vez mais. Um dia dos primeiros anos da década de noventa. Eu a ler mais um romance, e a incomodidade cada vez mais notória. Uma família desgraçada que vivia em Alcântara. Uma rapariga, o tipo que vivia com ela e também o pai da rapariga. O pai sempre num sofrimento (doença). Os pormenores desse sofrimento. A casa que eu imaginava quase com as paredes a desfazerem-se. Um dia, não levava ainda muitas páginas lidas do romance, um dia disse para comigo: «Não, eu não estou para isto. Nunca mais leio os livros do Lobo Antunes.» E a verdade é que deixei de ler.
Até agora, vai para uns quinze anos. Nunca mais, nem um dos romances que entretanto foram saindo. De vez em quando fazem-me chegar a última novidade. E eu, nada. Nem uma espreitadela. Até quarta-feira da semana passada. «O Arquipélago da Insónia». Mais um envio, na volta um milagre qualquer, e o livro veio-me parar às mãos. Tenho-o aqui ao lado da secretária. Já folheei e pouco consegui perceber. Nem chegou para me assustar. O sofrimento de sempre; pressinto que está lá, mais do que isso, mais do que pressentir, tenho a certeza de que está lá. Ainda por cima reparei num erro logo na primeira frase, uma pequena palavra que ficou esquecida. «De onde me virá a impressão que na casa, apesar de igual, quase tudo lhe falta?»
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5 comentários:

Anónimo disse...

A mim, aconteceu-me mais ou menos o mesmo, mas com Fado Alexandrino, logo no início do Lobo Antunes, escritor.
Mas não sei explicar a razão. Aconteceu-me o mesmo com Agustina depois de ler à pancada A Sibila.
Contudo, com Lobo Antunes, se lhe evito o romance, dou-me muito bem com a crónica. Até já dei comigo a cogitar que o Antunes-escritor só deveria escrever crónicas o ano inteiro, sem interrupções. Coisas!

Patti disse...

Estive a ouvi-lo na 4ª feira passada e fiz um post sobre essa conversa connosco, na 6ª feira (http://aresdaminhagraca.blogspot.com/2008/10/o-meu-caf-com-letras.html).

Se há coisa que ele não quer que chamem aos livros dele é 'romance' e disse-o ali.

Tem a sua maneira muito própria de nos explicar a sua escrita, que diz ser muito óbvia e clara. Não concordo nada, mas aceito-lhe a explicação.

Quanto às crónicas, vai deixá-las mais tarde ou mais cedo. Não lhes dá importância nenhuma e diz ainda que ‘aquilo’ todos fazem e não tem nada de bom no que lá escreve. É um mero contrato que tem de cumprir todas as semanas.

Estou a ler o Arquipélago, sem qualquer preocupação com a história -se é que existe alguma história- ou com os personagens -se é que existem ali personagens.
Deixo-me levar só pela escrita dele e pelo pensamento que o levou a escrever assim. Nem sequer reparo se é triste, sofrido ou alegre.

Anónimo disse...

António

Acho que tens razão nisso das crónicas. Mas isto sou eu para aqui a falar (e tu o mesmo). De qualquer forma, o romance «As Naus», que é fabuloso, um caso à parte na obra dele, é muito melhor do que qualquer crónica. Quem não leu pode não acreditar nisto, mas é um dos romances mais divertidos da literatura portuguesa nas últimas décadas, e além disso a escrita é irrepreensível, coisa que nem sempre acontece com o autor.


Patti

Compreendo o que diz. A fórmula Lobo Antunes, especialmente a dos últimos livros, conquistou muitos admiradores. Eu é que não consigo ler, mas o que não falta por aí é autores de grande prestígio que eu não consigo ler...


Abraço aos dois,

António

Luis Eme disse...

eu não desisti de o ler... mas tenho uns três livros em lista de espera, bem para o fundo.

é preciso muita paciência para o ler, tem de se voltar atrás, voltar para a frente, ir ao passado, pular para o futuro...

é uma pena, ele escrever para ele, e não para os leitores, António...

Anónimo disse...

Luís

Olhe, eu na falta de livros que me motivem estou a reler um romance absolutamente fantástico, de um escritor genial - «Os Impostores», de Santiago Gamboa. E já li dois contos de outro que comprei na semana passada, o último do Sepúlveda (que é um excelente contador de histórias, mesmo que por vezes dê a ideia de ter uma escrita pouco fluente).

Abraço,

António