O golo de Belloumi
A foto que aparece aqui mesmo ao lado, a preto e branco, é de 1982. Foi tirada durante um jogo do campeonato do mundo de futebol que se realizou bem perto de nós, em Espanha, numa altura em que por cá ficávamos sempre feitos parvos a ver os outros países a disputarem as fases finais destas provas e ainda por cima a ouvirmos aquelas idiotices dos comentadores, de que não havia problema porque tínhamos o Brasil para nos dar alegrias. O jogo disputou-se no dia 16 de Junho, em Gijón, num estádio chamado El Molinon. Eu vi-o pela televisão, ao contrário do que aconteceu com outros desse mesmo mundial, por coincidirem com as horas em que tinha consulta marcada numa psicóloga de Silves, no Algarve, para ver qual era a minha vocação, por causa daquelas opções dos estudos. Não me lembro de que a psicóloga tenha descoberto nada de concreto, mas também não se pode pedir tudo, muito menos a uma psicóloga, ainda por cima de Silves.
Bom, aquele jogo eu vi, e numa televisão a preto e branco, exactamente como a foto. Lembro-me de que na altura a Alemanha até metia medo (e se ligássemos aos artolas dos nossos comentadores de então ainda se tornava pior). Os argelinos eram vistos como uma espécie exótica que provavelmente até nem deveria ser autorizada pela FIFA (ou pelo senhor Jorge Nuno Pinto da Costa, que já andava por cá) a participar em coisas tão adiantadas na régua do desenvolvimento. Ora a Alemanha, que meio à sorte, meio à má fila acabaria por chegar à final, para aí perder com Itália, não conseguia nada naquele jogo de Gijón contra os argelinos. Os minutos passavam e os alemães enervavam-se. Até que os ditos argelinos marcaram, por intermédio de um jogador de quem em Portugal provavelmente pouca gente alguma vez tinha ouvido falar. Foi uns minutos depois do intervalo, o jogador chamava-se Madjer e tinha então vinte e seis anos. Lembro-me de que fiquei eufórico ao ver aquilo, até que uns minutos depois de começar a segunda parte os alemães empataram, com um golo de um avançado que toda a gente no mundo do pontapé na bola de Portugal conhecia, de jogar pela selecção das vestefálias e sobretudo pelo Bayern de Munique; era um jogador com um nome mesmo à alemão, Rummenigge. Lembro-me de que quase chorei com aquilo, ou que pensei em chorar… Mas logo a seguir, um minuto depois, os argelinos voltaram a marcar e eu, que mais tarde me habituei a apreciar o autor do primeiro golo pela história magnífica que viria a escrever em Portugal, eu desde esse momento de festa dos argelinos nunca mais esqueci o nome do marcador do golo da vitória da selecção que era tida como um dos bombos da festa espanhola. Não voltei a vê-lo jogar, mas nunca mais me esqueci do nome, Belloumi; um nome que os comentadores, sem eu perceber a razão, pronunciavam de uma forma lenta, sílaba a sílaba, como se nem acreditassem que estavam a referir-se ao marcador do golo da vitória da Argélia, a selecção dos jogadores que corriam como gazelas enquanto os alemães pareciam atolar-se misteriosamente no relvado seco de Gigón.
Há uns dois meses, em Marselha, durante um almoço na Universidade Euromediterrânica (um almoço com várias pessoas ligadas à área da gestão de recursos humanos, representantes de associações de vários países mediterrânicos), lembrei-me do golo de Belloumi. De repente as pessoas começaram a levantar-se, e a certa altura eu dei comigo na mesa apenas com o presidente da associação argelina, um senhor chamado Ahmed Mana, com quem já tinha falado demoradamente mas sobre matérias ligadas a gestão de recursos humanos. O senhor Mana, que também é o presidente da federação que naquela área congrega várias associações de países mediterrânicos, a certa altura, quem sabe cansado de falar de coisas das empresas, do trabalho, dos negócios, perguntou-me: «Est-ce que vous connais Madjer?» E eu disse-lhe que sim, claro, e falei durante alguns minutos do jogador genial que passou pelo meu país, relançando uma carreira que em França estava a ser muito apagada. E o senhor Mana, para meu espanto, pareceu estranhar o facto de eu saber tanto sobre Madjer. Isso não era difícil, pelo percurso de Madjer em Portugal, pelo golo inesquecível de Viena em 1987, por tantas outras façanhas, mesmo não jogando no meu clube. O golo de Viena, o senhor Mana descreveu-o em pormenor apenas para mim, como se eu nunca o tivesse visto.
Fui ouvindo, as histórias de Madjer, umas que eu conhecia, outras que nem imaginava, até que a certa altura não me contive e interrompi-o. Falei-lhe do jogo de Gijón em 1982, do golo inaugural de Madjer, e isso fê-lo encostar-se um pouco à cadeira, como se alguma coisa invisível o empurrasse para trás. Parecia não acreditar, arregalando cada vez mais os olhos. Foi então que me lembrei de outro golo, e falei-lhe dele. Contei-lhe a minha tremenda emoção, eu com catorze anos, na serra do Algarve, a província com nome árabe, eu ainda criança, com lágrimas nos olhos ao sentir que os assustadores alemães não tinham como reagir ao golo de Belloumi.
A foto que aparece aqui mesmo ao lado, a preto e branco, é de 1982. Foi tirada durante um jogo do campeonato do mundo de futebol que se realizou bem perto de nós, em Espanha, numa altura em que por cá ficávamos sempre feitos parvos a ver os outros países a disputarem as fases finais destas provas e ainda por cima a ouvirmos aquelas idiotices dos comentadores, de que não havia problema porque tínhamos o Brasil para nos dar alegrias. O jogo disputou-se no dia 16 de Junho, em Gijón, num estádio chamado El Molinon. Eu vi-o pela televisão, ao contrário do que aconteceu com outros desse mesmo mundial, por coincidirem com as horas em que tinha consulta marcada numa psicóloga de Silves, no Algarve, para ver qual era a minha vocação, por causa daquelas opções dos estudos. Não me lembro de que a psicóloga tenha descoberto nada de concreto, mas também não se pode pedir tudo, muito menos a uma psicóloga, ainda por cima de Silves.
Bom, aquele jogo eu vi, e numa televisão a preto e branco, exactamente como a foto. Lembro-me de que na altura a Alemanha até metia medo (e se ligássemos aos artolas dos nossos comentadores de então ainda se tornava pior). Os argelinos eram vistos como uma espécie exótica que provavelmente até nem deveria ser autorizada pela FIFA (ou pelo senhor Jorge Nuno Pinto da Costa, que já andava por cá) a participar em coisas tão adiantadas na régua do desenvolvimento. Ora a Alemanha, que meio à sorte, meio à má fila acabaria por chegar à final, para aí perder com Itália, não conseguia nada naquele jogo de Gijón contra os argelinos. Os minutos passavam e os alemães enervavam-se. Até que os ditos argelinos marcaram, por intermédio de um jogador de quem em Portugal provavelmente pouca gente alguma vez tinha ouvido falar. Foi uns minutos depois do intervalo, o jogador chamava-se Madjer e tinha então vinte e seis anos. Lembro-me de que fiquei eufórico ao ver aquilo, até que uns minutos depois de começar a segunda parte os alemães empataram, com um golo de um avançado que toda a gente no mundo do pontapé na bola de Portugal conhecia, de jogar pela selecção das vestefálias e sobretudo pelo Bayern de Munique; era um jogador com um nome mesmo à alemão, Rummenigge. Lembro-me de que quase chorei com aquilo, ou que pensei em chorar… Mas logo a seguir, um minuto depois, os argelinos voltaram a marcar e eu, que mais tarde me habituei a apreciar o autor do primeiro golo pela história magnífica que viria a escrever em Portugal, eu desde esse momento de festa dos argelinos nunca mais esqueci o nome do marcador do golo da vitória da selecção que era tida como um dos bombos da festa espanhola. Não voltei a vê-lo jogar, mas nunca mais me esqueci do nome, Belloumi; um nome que os comentadores, sem eu perceber a razão, pronunciavam de uma forma lenta, sílaba a sílaba, como se nem acreditassem que estavam a referir-se ao marcador do golo da vitória da Argélia, a selecção dos jogadores que corriam como gazelas enquanto os alemães pareciam atolar-se misteriosamente no relvado seco de Gigón.
Há uns dois meses, em Marselha, durante um almoço na Universidade Euromediterrânica (um almoço com várias pessoas ligadas à área da gestão de recursos humanos, representantes de associações de vários países mediterrânicos), lembrei-me do golo de Belloumi. De repente as pessoas começaram a levantar-se, e a certa altura eu dei comigo na mesa apenas com o presidente da associação argelina, um senhor chamado Ahmed Mana, com quem já tinha falado demoradamente mas sobre matérias ligadas a gestão de recursos humanos. O senhor Mana, que também é o presidente da federação que naquela área congrega várias associações de países mediterrânicos, a certa altura, quem sabe cansado de falar de coisas das empresas, do trabalho, dos negócios, perguntou-me: «Est-ce que vous connais Madjer?» E eu disse-lhe que sim, claro, e falei durante alguns minutos do jogador genial que passou pelo meu país, relançando uma carreira que em França estava a ser muito apagada. E o senhor Mana, para meu espanto, pareceu estranhar o facto de eu saber tanto sobre Madjer. Isso não era difícil, pelo percurso de Madjer em Portugal, pelo golo inesquecível de Viena em 1987, por tantas outras façanhas, mesmo não jogando no meu clube. O golo de Viena, o senhor Mana descreveu-o em pormenor apenas para mim, como se eu nunca o tivesse visto.
Fui ouvindo, as histórias de Madjer, umas que eu conhecia, outras que nem imaginava, até que a certa altura não me contive e interrompi-o. Falei-lhe do jogo de Gijón em 1982, do golo inaugural de Madjer, e isso fê-lo encostar-se um pouco à cadeira, como se alguma coisa invisível o empurrasse para trás. Parecia não acreditar, arregalando cada vez mais os olhos. Foi então que me lembrei de outro golo, e falei-lhe dele. Contei-lhe a minha tremenda emoção, eu com catorze anos, na serra do Algarve, a província com nome árabe, eu ainda criança, com lágrimas nos olhos ao sentir que os assustadores alemães não tinham como reagir ao golo de Belloumi.
4 comentários:
tinha que ser mouro, até nem falta o pinto da costa.
Tanto trabalho, para o rei de PORTOgal, ser senhor dos algarves, para termos que aturar isto...
Bom blog, parabéns pelos escritos. Bom fim de semana e cumprimentos
Vi esse Mundial quase de fio a pavio. E gostei muito de muitos jogos.
E tive tudo alinhavado com uns amigos para ir a Espanha...quando Portugal estava praticamente qualificado.
Deste Alemanha--Argélia lembro-me da história, mas já não me lembrava dos golos.
Lembro-me de ler este artigo quando fazia a viagem de comboio Porto-Lisboa. Inclusivé enviei mail em tom de desabafo sobre como achava ter sido enganada enquanto andava na faculdade. Por isso fica cá este comentário para um golo que também agora recordo :)
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