sábado, 24 de maio de 2008

Entrevista de Dias da Cunha

A entrevista de Dias da Cunha, de ontem, ao «Diário de Notícias». Coloco a seguir...

Dias da Cunha
"Não tenho confiança nenhuma no presidente do Sporting"
ALEXANDRA TAVARES-TELES E ISAURA ALMEIDA
Regressou às reuniões do Conselho Leonino na semana passada, na qualidade de ex-presidente. Não foi por acaso...
Saí da última reunião em que tinha participado convencido de que era absolutamente inútil estar no Conselho. A imensa maioria dos membros estão tão agarrados ao poder ou a quem o tem que não são livres para procurar esclarecimentos. Quando, na reunião, o presidente substituto [Soares Franco] levantou pela primeira vez a questão do buraco financeiro, alegadamente da minha responsabilidade, fiquei pasmado e quis esclarecer o assunto. Fui tratado de tal maneira que percebi que as pessoas não queriam ser esclarecidas. Preferiam que aquele senhor pintasse uma situação falsa sobre a realidade financeira do clube. A partir daí, entendi que seria inútil ir a reuniões de situacionistas.
O que o levou a regressar agora?
Porque tive conhecimento do que se iria debater no CL a reestruturação financeira do clube e uns zunzuns de mais uma venda de património. Achei que o Sporting tinha o direito de me exigir o esforço da comparência e do confronto com aquela gente.
E voltou a ser recebido por situacionistas, como lhes chama?
Exactamente. E para grande espanto meu, até pessoas eleitas pela lista concorrente a agir pelo mesmo diapasão.
A reestruturação financeira de agora em que difere da sua em 2005?
Continua a explorar-se a história do buraco. Tanto quanto me sinto à vontade para afirmar, as contas consolidadas do Sporting, a menos que tenham sido feitos grandes disparates em termos de contratações, continuam semelhantes, com os resultados na ordem de grandeza que serviu em 2005 para fazer a reestruturação com os bancos. De acordo com aquilo que foi dito, há uma melhoria no que respeita ao serviço da dívida, como uma redução dos encargos financeiros e das taxas de juro em diferentes operações. E isso coloca-me uma questão: como é que se explica que tendo os juros subido, o Sporting consiga reduzir a taxa ponderada [de 6,3 para 4,7]. São estes negociadores do Sporting gestores de um outro planeta, uns génios? Ou esta equipa dos bancos é substancialmente menos competente do que a que negociou com o Sporting desde 2005, indo agora contra os interesses patronais? É uma questão que deve interessar à CMVM e ao Banco de Portugal. Eu gostava de perguntar ao Banco de Portugal por que razão foram dadas condições especiais, de verdadeiro favor, ao Sporting.
Vai à próxima Assembleia Geral?

Não sei ainda. E estou a falar agora porque me sinto na obrigação de esclarecer os sócios.
O que é que pode então acontecer ao Sporting se as propostas da direcção forem aprovadas?
Aquilo que foi apresentado é uma operação muito complexa. Em causa está a emissão de um empréstimo obrigacionista de 60 milhões de euros obrigatoriamente convertível em capital. Estamos a falar de 30 milhões de acções, número suficiente para garantir a maioria do capital. Segundo Filipe Soares Franco, se as obrigações continuassem nas mãos dos bancos e estes fizessem a conversão, ficava-se perante a obrigatoriedade de uma OPA. Ou seja, essa operação permitiria que a maioria da SAD deixasse de ser do Sporting.
Soares Franco também disse que esse risco só se concretiza se o Sporting em cinco anos não fizer nada para o contrariar. E ele espera que se faça alguma coisa.
Pois, mas essa esperança não basta.
Não é inevitável que os clubes percam o controlo das SAD?
Só os sócios do Sporting podem decidir. Mas para isso precisam de estar devidamente informados. Precisam de saber que, aprovando este empréstimo obrigacionista, perdem dentro de cinco anos a gestão do futebol. Mas ceder à SAD a posição do Sporting na Academia é igualmente grave.
O clube fica com crédito, suprimentos, por exemplo, que se poderá converter em capital ficando o Sporting com a maioria.
Tudo isso são mais ses. Não, a operação que reduz o preço do endividamento só pode ser aprovada quando tudo estiver preto no branco e quando houver a garantia de que o Sporting não perde a maioria da SAD.
Tal garantia é possível?
Penso que sim, mas é preciso envolver os bancos desde já e garantir que estão de boa-fé. Um deles, tenho a certeza de que está; o outro não sei se está ou não está. E, mais, é preciso não esquecer onde fica a Academia, em Alcochete...
Está a referir-se à valorização dos terrenos de Alcochete devido ao novo aeroporto?
Claro. Por quanto tempo ficará proibida a construção e alterações na zona? Ad aeternum? Estou de sobreaviso em relação àquele senhor [Filipe Soares Franco] e não acredito que os bancos façam obras de caridade. Que combinações são estas? Se o povo do Sporting acordar, pode impedir esta operação ou exigir garantias.
E alternativas?
O Sporting é solvente, tal como se previu em 2005, mesmo aceitando que já foi empobrecido com os maus negócios da venda de património já efectuado. Aliás, as principais receitas nem provinham do património alienado. Portanto, o Sporting é capaz de continuar a gerar as receitas que lhe permitam assentar a estratégia na reestruturação de 2005.
E faz sentido a Sporting Comércio e Serviços passar para a SAD?
Não. A SAD tem de tratar exclusivamente da gestão do futebol. E não é nada fácil.
Depois da tantas críticas à reestruturação agora proposta, como foram feitos os acordos de 2005?
Tendo em conta as contas de exploração provisional do Sporting clube e das diferentes empresas do grupo ao longo de uma série de anos, durante os quais, assumindo determinados compromissos, se iria libertar o cash necessário, pagar o serviço da dívida e os próprios empréstimos. Estou convencido de que as realidades por detrás das contas dos anos daqui para a frente não se alteraram a não ser num aspecto: venda do património.
Na reestruturação de 2005, também se previa a alienações...
Mas noutros moldes. Fazia parte a alienação de dois dos seus bens: o edifício-sede e o Alvaláxia. Estava subentendido e registado em acta, de que possuo cópia, que não se tratava de alienações puras e duras, mas tão-somente de uma operação em fundos, o que significava o retorno. O clube acabou por vender mais do que devia e por valores abaixo das ofertas que o Sporting tinha com os negócios financeiros. Alguém saiu beneficiado.
Quem?
Não sei e não quero entrar por aí.
Está a dizer que esta direcção não é séria?
Sim. Não tenho confiança nenhuma no presidente e não acredito nele, portanto, não acredito nas pessoas que o acompanham. Não é confiável, aquilo a que chamam de pessoa séria porque não é sério quem quebra compromissos. Ele tinha assumido comigo, por escrito e de viva voz, que nunca seria candidato a presidente do Sporting. Esta é a primeira razão para não o considerar sério. Para ele, os compromissos não querem dizer coisa nenhuma, quebrou-os e nunca me deu uma palavra de explicação. Segunda razão: ter inventado o buraco financeira. Na altura, pedi que fosse feita uma auditoria às contas para as pessoas saberem o que era o buraco. Para aquilo fazer sentido tinha de se ter verificado, em reuniões mensais com o Sporting, um desvio significativo dos orçamentos aprovados pelos bancos. O que não a aconteceu. Eu tenho as actas.
Guardou-as?
Sim, por mero acaso. Saí do Sporting sem qualquer papel.
Quando diz que este presidente não é sério, está a dizer que prejudica voluntariamente o Sporting em benefício de terceiros?
Não tenho nada que me permita afirmar tal coisa. Mas a venda de património, tendo em conta o que a rodeou, é desonesta. É uma infâmia.
Está arrependido de ter aberto a porta a Filipe Soares Franco?
Sim, completamente. É uma das poucas coisas de que me arrependo na vida.
Quando saiu do Sporting, imaginava que ia ter essa desilusão?
Com a traição de Filipe Soares Franco, confesso que não contava.
E considera-se traído por Ribeiro Teles, que se demitiu em consequência do manifesto [pacto entre Benfica e Sporting, que visava credibilizar o futebol português], ou até por Rui Meireles?
Ribeiro Teles... nem vale a pena falar. O Rui Meireles foi de uma extrema lealdade. Apesar de defender a venda pura e dura, nunca fez nada contra o decidido nas reuniões da Comissão Executiva.
Mas ele calou-se quando Filipe Soares Franco falou no buraco financeiro...
É verdade. Rui Meireles teve dois momentos para falar. Ou me prevenia desse tal buraco como responsável financeiro, e nunca o fez, ou quando o presidente do Sporting falou em buraco tinha a obrigação de repor a verdade. Um dia perguntei-lhe que buraco era aquele que justificasse a venda de património. E ele respondeu-me: "Isso é o Filipe a meter os pés pelas mãos".
Como se explica que Rui Meireles tenha feito, em nome do Sporting, um empréstimo, dando os passes de alguns jogadores como garantia, para poder pagar os salários do primeiro mês a seguir à sua saída?
O que eu sei é que nos anos em que eu fui presidente, o Sporting chegava muitas vezes ao final do mês sem dinheiro para pagar salários. O que fazia? Respondia eu próprio pelos financiamentos feitos, e os bancos perante a minha garantia nunca hesitaram. Se o Rui Meireles fez isso é porque quem estava à frente do Sporting não quis, ou não pôde, assumir essa responsabilidade. Mas aqui não estamos a falar de buraco nenhum. Estamos a falar de problemas de tesouraria.
Com a vitória na Taça de Portugal e assegurando o segundo lugar no campeonato, o Sporting salvou a época?
Não sou daqueles que consideram que o Sporting não fez uma boa época. Começou por ganhar a Supertaça e acabou a ganhar a Taça de Portugal depois de perder a Taça da Liga em penáltis. Todavia, ficar em 2.º lugar é muito importante para o Sporting.
Por que razão escolheu Paulo Bento para treinador se sabia que horas depois se ia demitir?
Porque era o que estava em melhores condições para suceder ao professor Peseiro. E não fui eu que falei com ele. Pedi a Rui Meireles que o fizesse, para que o Paulo Bento se sentisse mais confortável para aceitar, sabendo que eu estava de saída.
Se fosse presidente do Sporting, tinha despedido Paulo Bento esta época?
De maneira nenhuma.

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