segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A grande vingança?

Uma hipótese: a venda de Liedson ser a grande vingança de José Eduardo Bettencourt. Nos dias que lhe restam para deixar definitivamente o Sporting (creio que fica mais a sua incompetência até ao fim do mês), o que poderá ainda fazer para nos tramar?

A questão

A questão que se coloca agora é saber se Cavaco Silva vai levar alguém do BPN para o Conselho de Estado, como não teve vergonha de fazer com Dias Loureiro no mandato anterior. Ou até se opta por algum dos vizinhos da Praia – ou da Aldeia, já nem sei bem – da Coelha. De uma coisa, pelo menos, tenho a certeza: há-de ser tudo gente duplamente honesta, seja lá isso o que for.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Para sempre

Eu estava um bocado preocupado: como iria dizer ao meu filho, de seis anos, que o Liedson pode estar de saída do Sporting? Mas não precisei de dizer, ele apercebeu-se das notícias. E procurou tranquilizar-me: «Pai, o Liedson vai continuar para sempre na minha Playstation.» Pelo que consegui perceber, ainda hoje marcou cinco ou seis golos.

António Souto – Crónica (32)

Isto foi quanto senti na antevéspera do escrutínio presidencial, e foi isto que se estirou até à divulgação dos resultados, momento em que um amigo meu, numa curta mensagem, pôs fim a estes devaneios com um conciso «Ora f…-se!». Um desabafo que me encheu a alma, como num intervalo do circo. Os palhaços que me perdoem.
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Janeiro por um fio
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Este é o primeiro mês do ano. Melhor, este é já o final do primeiro mês do ano. E não sei se é por ser o primeiro mês do ano ou se é por este ser o prenúncio de muitos outros que aí vêm de mal a pior, a verdade é que ando com moleza.
A bem dizer, ando com saudades do dia de Natal, só mesmo do dia de Natal (e já agora, por acréscimo, que lhe segue logo a peugada, do primeiro dia do ano), um verdadeiro dia de remanso e de manifesta imperturbabilidade. Não há dinheiro que pague o prazer delongado de um dia assim. A gente pode ficar na cama até tarde, que os afazeres não têm pressa; a gente não precisa de fazer comida, que sobra sempre de véspera; a gente não precisa de lavar a loiça, que a mesa é de petiscar; a gente não é azucrinada pelos telemóveis, que se consumiram os saldos; a gente não tem de responder a mensagens electrónicas, que se gastaram as palavras; a gente não se irrita com o tráfego da cidade, porque os carros fazem birra e não saem do seu canto; a gente não desembolsa o resto do dinheiro, porque o comércio se mantém praticamente encerrado. Estes são privilégios de um dia desigual, ainda por cima quando a estes se juntam outros que nos preenchem positivamente a alma, como uma edição comentada de «Mensagem», ou a voz única de Pavarotti irradiando a «Ave Maria» de Shubert, ou um Placido Domingo ou uma Céline Dion ou uma Mariah Carey ou uma Rita Guerra, à vez, preenchendo o silêncio num aconchego da tarde.
Maus hábitos, dir-se-á, que custam a passar, rematado que é já um mês. Raio de preguiça!
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Este é o primeiro mês do ano. Um mês propício a conjugar discordâncias.
Num dia, potencialmente de inverno, resplandece a nossa convergência europeia e ressurgimos como povo promissor. O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) revela-nos o grande salto que deram as nossas crianças e os nossos jovens nos conhecimentos e nas aptidões em matemática, leitura e ciências. Do fundo da tabela, galgámos para a média (quase) dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Um grande especialista desta organização explica o prodígio «pelas políticas seguidas nos últimos anos e por uma conjugação de factores como a avaliação de professores e um controlo sério da qualidade do ensino». Assim está bem (e somos tentados a coroar o raciocínio parafraseando o poeta – «o que não faz sentido/ É o sentido que tudo isto tem»). Disse também o grande especialista e responsável da OCDE que «diminuiu o peso das repetições», apesar de alto, e que «a diferença entre as escolas melhores e as escolas piores diminuiu», igualmente. Pronto, com tamanha proficiência vinda de fora e de quem sabe, estamos no bom caminho. Estamos?
Num dia, de facto de Inverno, encobrem-se os resquícios de sol e as nuvens fazem das suas. O Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE) do Ministério da Educação, por voz autorizada, explica o que «o» Relatório deste serviço já registara quanto ao desempenho dos nossos alunos do oitavo ao décimo segundo ano, que «os estudantes não dominam os conceitos, manifestam falta de rigor científico, dificuldades em interpretar textos e problemas e em articular várias competências». E acrescenta, sem rodeios, que «é preciso tirar consequências das fragilidades detectadas”. Em que ficamos, portanto? Somos nós que nos auto-avaliamos com severidade? São os outros que nos avaliam com demasiada bondade? A «média» europeia é, vistas bem as coisas, tão mediocremente «média» como a nossa nacional?
Tudo reside, afinal, na arte de bem (des)conjugar!
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Este é o primeiro mês do ano. Um mês de dizer adeus aos malabarismos. Mas sem tristeza, pese embora o facto de sempre ter tido uma certa atracção pelo circo.
Primeiro, criança ainda, pelo circo que chegava à aldeia, numa ou em duas ou em três carripanas da altura, gente de miséria que montava arraial na praça local, a céu aberto, sem qualquer resguardo, e ali fazia à noitinha umas acrobacias no chão de terra batida ou a dois metros do solo, suspensa em estacas e varas e cordas de arrepiar. A canalha à volta, empurrando-se para melhor se deliciar, os adultos mais atrás, como quem não quer a coisa, avaros e prontos a desertar quando pressentissem o fim do espectáculo.
Depois, já espigado, pelo circo que se instalava na cidade, semanas inteiras, com imponência e feras de intimidar. A verdade é que ao pasmo da chegada se seguiu em mim constantemente uma inexplicável decepção à saída. O maravilhoso convertendo-se em desventura. A atracção dando lugar à sensação de logro, de vazio.
Foi isto que senti de novo ao ver a debandada do circo que se estendeu de um ano para o outro pela antiga feira popular de Lisboa. Lembrei a sessão a que assistira, empurrado. Pouca coisa para a expectativa do bilhete e de uma empresa de requinte a sério. Agora, mudam de poiso, invadem outro burgo, já só restam no descampado uns quantos atrelados, uns parcos contentores, uma tenda baixa ainda de pé. A desilusão desta grandeza amarga-me infinitamente mais do que a desilusão de outrora, do circo da minha aldeia.
Isto foi quanto senti na antevéspera do escrutínio presidencial, e foi isto que se estirou até à divulgação dos resultados, momento em que um amigo meu, numa curta mensagem, pôs fim a estes devaneios com um conciso «Ora f…-se!». Um desabafo que me encheu a alma, como num intervalo do circo. Os palhaços que me perdoem.
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Crónica de Janeiro de 2011 de António Souto para o blog «Floresta do Sul»; crónicas anteriores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28; 29; 30; 31.
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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O futuro

E pronto. Vamos então a partir de agora ser todos duplamente honestos, comprar acções do BPN a um euro e trocar as nossas casas de férias – quem as tiver – por outras melhores na Praia da Coelha. Para que fiquemos devidamente integrados no actual regime.
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sábado, 22 de janeiro de 2011

Em tempos, escrevi uma história que começa assim…

Os romanos
Segunda-feira, a meio da tarde, em Vila Real de Santo António. Um calor não se podia dizer sufocante porque não havia notícias de que alguém, nas últimas horas, tivesse sufocado na cidade; ou até nos arredores, contando nos arredores, inclusive, com a cidade espanhola de Ayamonte. Mas alguém que fizesse a descrição assim sem pensar muito nas palavras poderia acabar por usar o termo «sufocante», ou mesmo aventurar-se para expressões como «ar irrespirável» ou «o sol a arder». Para não estar com mais coisas, a temperatura era de quarenta e dois graus. Assim indicava o painel do carro, que costumava andar sempre atento, embora a respeito do calor nunca fizesse avisos, apenas em relação ao frio. Bastava que a temperatura se aproximasse de zero para se pôr com mensagens de piso escorregadio e mais algumas apoquentações que poderiam surgir. Já para altas temperaturas, nada, a menos que no computador que o regulava estivesse previsto lançar avisos apenas depois de atingidos os cinquenta graus, coisa que eu nunca tinha experimentado. Um dia haveria de ir no carro até Sevilha – já que não estava para ir com ele a conduzir até ao Qatar, por exemplo, só para tirar a prova. Haveria de ver as previsões meteorológicas, as que faziam para Sevilha, e então, quando indicassem temperaturas tão altas, lá fazia eu as contas para no dia exacto chegar à cidade andaluza e ver se no painel do carro aparecia algum aviso. Na volta não apareceria nada e a viagem seria em vão, mas também ir de carro até Sevilha não era assim uma coisa tão complicada como isso. Já ao Qatar… E depois, no Qatar – um sítio sobre o qual eu tinha uma vez ouvido que nele era proibido dizer que a temperatura passava os cinquenta graus, se passasse –, o que poderia acontecer no Qatar se o carro se pusesse com avisos? Quem sabe não ficaria lá o carro, e também o dono, um apreendido por blasfémia, outro detido por cumplicidade… O melhor era nem pensar no sarilho, esquecer o Qatar, talvez até esquecer a ida a Sevilha, o teste ao painel de informações do carro, que se calhar não passava de uma desculpa para ir a Espanha. Até porque se eu queria ir a Espanha era só uma questão de meia-hora, se tanto, ir até à ponte sobre o Guadiana, atravessá-la e pronto, lá estava Espanha. Eu podia inclusive ficar por Ayamonte, que agora tinha diante de mim lá do outro lado do rio.
Era o que eu via, com o carro parado num dos estacionamentos da marginal de Vila Real de Santo António. Lembrava-me das viagens em criança, desde a Serra de Monchique, passavam-me pela cabeça as recordações de chegar ali sem que nada me parecesse como agora. O estuário já não se mostrava tão grande, Espanha já não parecia estar tão longe, já não havia, por causa da ponte nova, o corrupio dos barcos de um lado para o outro… Eu lembrava-me de tudo, as viagens com os meus pais para as compras em Ayamonte, uma aventura para mim, e agora a cidade tão perto. Lembrava-me também de outra terra, maior; era uma promessa que eu tinha em criança, a de mais tarde ir até uma cidade que dali não se via, a cidade que para mim era nesses tempos já distantes uma espécie de maravilha do mundo. A mítica cidade de Huelva, bem para lá de Ayamonte; aí haveríamos um dia de ir às compras.
Chegavam-me estes pensamentos enquanto olhava para o rio. Dentro do carro, salvo do calor pelo ar condicionado, a fazer tempo para que chegasse a hora de uma sessão literária no centro cultural da cidade. Eu ia falar dos meus livros, naquela segunda-feira a meio da tarde. Um dia de Agosto… Um calor que para um narrador distraído podia sufocar pessoas. Quarenta graus… Estaria alguém no centro cultural para me ouvir, ou para me perguntar alguma coisa? Não me parecia… Não era uma questão de pessimismo. Eu nem sabia bem o que era, pensava nisso, no que faria se não aparecesse ninguém, ou se estivesse, por exemplo, apenas uma pessoa, sentada numa das filas do meio. Ou se aparecesse um bêbado a fazer umas perguntas todas muito elaboradas mas sem sentido, como me tinha acontecido uma vez numa livraria em Lisboa. As minhas preocupações antes da sessão. Coisa pouca, se me pusesse a fazer comparações com uma preocupação bem maior que começava a tomar conta de mim. No rio, um barco. Eu via-o ainda de dentro do carro, preparando-me para sair por entretanto ter chegado a hora da sessão. De repente o barco tinha captado a minha atenção. Durante algum tempo depois de estacionar eu não tinha reparado nele, mas agora reparava, agora sim. O barco estava mais próximo, navegando desde a foz do Guadiana. Viria do alto mar? Era tudo muito estranho para mim. Um barco cheio de romanos aproximava-se do molhe. E eu no carro a ver, e de repente as poucas pessoas que andavam por ali ao calor a perceberem também o que chegava, e a agitarem-se. Teria o indecente programa «Allgarve» alguma coisa a ver com aquilo? Eu já com uma explicação, a de uma animação turística… Mas com romanos? E as pessoas a agitarem-se. Seria, afinal, outra coisa? E por que é que as pessoas teriam medo? Faria isso parte da própria encenação?
Bom, saí do carro e aproximei-me do limite do molhe. (CONTINUA)
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domingo, 16 de janeiro de 2011

Fantástico

Fantástico!!!!! Mil vezes fantástico!!!!! Um milhão de vezes fantástico!!!!! A maior praga da história do meu clube acaba de se ir embora.
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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

As eleições

A ironia destas eleições presidenciais é que no fim, muito provavelmente, ganha o tipo do BPN.
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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Há 15 anos

Pedro Aquilino chegou a Monchique a meio de uma tarde abafada de Agosto. Nem o calor nem o mau-cheiro do cadáver do elefante, que continuava abandonado à entrada da vila, o fizeram retroceder. E assim foi recebido nos paços do concelho pelo novo presidente da câmara. O antigo, de quem já ninguém se lembrava, resolveu dar sinal de si e voltou a mandar papelinhos por baixo da porta, desta vez com saudações democráticas e algumas sugestões protocolares.
– Ah, têm dois presidentes da câmara! – comentou Pedro Aquilino. – E nem assim arranjaram tempo para mandar enterrar o desgraçado do elefante!

Excerto do livro de contos «Quando o Presidente da República
Visitou Monchique por Mera Curiosidade», publicado em 1996,
faz agora 15 anos
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domingo, 9 de janeiro de 2011

A sujidade

«Se fossem robalos, andava tudo histérico. Como são só acções, compradas a preço de favor, vendidas por um senhor que era seu amigo, gerente de um banco que é o que é, e que por acaso está em prisão domiciliária porque fazia as coisas como fazia nesse banco, temos este presidente: um político que diz que não é político, um ex-ministro das Finanças que compra e vende acções em estado de inocência, um homem que terá de nascer duas vezes para perceber que, pior do que uma campanha suja, é mesmo o sujo de tudo isto.»
Escrito pelo actor André Gago, na sua página do «Facebook»
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sábado, 8 de janeiro de 2011

Uma frase

«A seriedade não é um valor que se autoproclame, é algo que os outros reconhecem.»
Henrique Monteiro, hoje no «Expresso», sobre Cavaco Silva
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Duas entrevistas

José Manuel Coelho foi ontem entrevistado na TVI por um grande profissional, Henrique Garcia (a entrevista pode ser vista aqui). Este noite vi-o na RTP a ser entrevistado por Judite de Sousa, que teve um comportamento lamentável, uma autêntica vergonha para o jornalismo (a conferir aqui).
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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A figueira

À entrada da década de 1980, as notícias dos grandes duelos mundiais de xadrez traziam quase sempre dois nomes associados, Anatoli Karpov e Victor Kortchnoi. Era à volta destes dois mestres soviéticos que tudo parecia girar. Mas um outro nome começava a emergir, também russo, parecido com Karpov mas mais comprido. Garry Kasparov, nascido em 1963 em Baku, capital do actual Arzebaijão (então uma das repúblicas da União Soviética), já se tornara notado no mundo do xadrez. Corajoso, irreverente, agressivo e perfeccionista, Kasparov desafiou Karpov, o campeão mundial, em 1984. A partida durou seis meses, tornando-se a mais longa na história do xadrez. Foi parada pelo presidente da federação internacional da modalidade, que ordenou que se disputasse uma nova partida. Em Novembro de 1985, Kasparov ganhou o denominado rematch contra Karpov e tornou-se campeão mundial. Tinha 22 anos e era o jogador mais novo a consegui-lo.
Passados mais de 20 anos, assisti a uma conferência de Kasparov, no Estoril. Pareceu-me com a mesma coragem, a mesma irreverência, até a mesma agressividade (sobretudo em relação a alguma coisa ou a alguém que a pudesse justificar; por exemplo, Vladimir Putin). Vi-o a falar para quadros de empresas, a falar de estratégias, de tácticas, de inovação, de tudo o que rodeia a tomada de decisão numa organização. Sem perder de vista o xadrez e os seus exemplos para o mundo da gestão, não se esqueceu da sua condição de activista político, comprometido, empenhado em que o seu país conhecesse uma mudança capaz de fazer com que por lá se pudesse respirar plenamente os ares da democracia. E também falou de gurus da gestão, como Peter Drucker; de empreendedores, como Elisha Graves Otis ou William Edward Boeing; e de Thomas Edison, de Winston Churchill, do inevitável Sun Tzu, de nomes grandes do xadrez, de John F. Kennedy e inclusive de Cristóvão Colombo.
Até que na parte final, com alguma surpresa, pelo menos para mim, falou de cinco portugueses. Cinco figuras de épocas tão diferentes como a dos descobrimentos, a da criminosa ditadura salazarista ou a actualidade. Considerou-os a todos notáveis: dois navegadores, Gil Eanes e Vasco da Gama; um militar que se destacou sobretudo como político, Humberto Delgado; um futebolista, Eusébio; e um escritor, José Saramago. O que recordo mais foi o que disse do Nobel português, para ilustrar um dos tópicos que abordou, o da inovação. Não o fez pela opção única de Saramago escrever com uma pontuação bem peculiar, marcada sobretudo pela frugalidade, que permite uma leitura ao ritmo da própria respiração. Fê-lo por algo que para ele também é propício à inovação, à capacidade de inovar: as dificuldades da vida, principalmente aquelas que são experimentadas em criança. Para isso, Kasparov recorreu mesmo a uma frase de Saramago: «As crianças crescem melhor à sombra do que ao sol.» Naquela altura, ouvindo o homem de Baku, lembrei-me de uma outra sombra, absolutamente fantástica, do criador de «Memorial do Convento», a de uma figueira junto da qual, nas tardes de Verão, o rapazito Saramago se deitava muitas vezes, para se proteger do calor. Lembrei-me disso. A mesma figueira que depois, a cada noite, o voltava a acolher; a ele, o rapazito Saramago, que embalado pelas histórias do avô via as estrelas por entre os ramos. Como escreve no discurso de Estocolmo… «No meio da paz nocturna, entre os ramos altos da árvore, uma estrela aparecia-me, e depois, lentamente, escondia-se por trás de uma folha, e, olhando eu noutra direcção, tal como um rio correndo em silêncio pelo céu côncavo, surgia a claridade opalescente da Via Láctea…»
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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Um pouco do que vou escrevendo

«E por isso foi andando dentro da estrutura da porta, uma volta, duas voltas, três, pessoas a entrarem e a saírem do café, e ele naquilo, até que sem perceber como, sem ter a mais pequena ideia do funcionamento do seu corpo naqueles momentos, conseguiu voltar a ser dono dos próprios movimentos e alcançou o interior do café. Estavam a menos de dez metros um do outro. Ela sorriu-lhe.»
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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Sobre a honestidade

Essa coisa de as pessoas terem de nascer duas vezes para conseguirem ser mais honestas do que o tipo do BPN, vou ali e já venho.
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Um livro

Atenção a um livro fabuloso para o início deste ano. De um escritor igualmente fabuloso, Javier Cercas, autor dos inesquecíveis «A Velocidade da Luz», «Soldados de Salamina» e «O Inquilino». O «instante» é a tentativa de golpe de Estado de 23 de Fevereiro de 1981, em Espanha. Na capa, Antonio Tejero Molina, de pistola na mão, aos berros no Congresso dos Deputados, em Madrid.
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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Recordar Carlos Pinto Coelho

Foi num dos primeiros meses de 2006. Na revista a que então estava ligado publiquei um trabalho sobre o jornalista Carlos Pinto Coelho, recentemente desaparecido. Através desse trabalho, da minha colega Ana Leonor Martins, fica-se a conhecer a história de como veio para Portugal, onde tinha à sua espera um rival dos tempos do liceu, em Moçambique. Deixo a seguir o texto desse trabalho. A imagem é um pormenor de uma foto tirada no dia um de Abril de 2009, durante a apresentação de um livro meu, em Lisboa, que Carlos Pinto Coelho teve a amabilidade de fazer.
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Um conto fantástico
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É uma «estória» como existirão poucas. Carlos Pinto Coelho, jornalista, e Pedro Bettencourt da Camara, consultor, praticamente cresceram juntos, em Moçambique. A competição pelo lugar de melhor da turma terá contribuído para que não se tivessem tornado amigos. Mas isso não impediu um bonito gesto, digno do título de amizade. Depois seguiram percursos diferentes, raramente se vêem, mas continua a existir um elo, difícil de explicar, que os mantém próximos. «Tipo um conto fantástico.»
Texto: Ana Leonor Martins
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Um dia chuvoso e cinzento de 1963. Carlos Nuno tinha feito uma viagem de barco de 31 dias rumo a terra desconhecida – Lisboa. «Estava sozinho e muito triste. Os meus pais e os meus amigos tinham ficado em Moçambique», conta. Tinha cá família mas mal a conhecia e ninguém o foi esperar. «Era um menino de 19 anos, cheio de medo, e quando cheguei à Rocha do Conde de Óbidos só queria voltar para casa. Desci do ‘Príncipe Perfeito’ com a alma carregada. De repente, olho para a varanda do primeiro andar da estação de Alcântara e vejo o Pedro Rui. Foi a única pessoa à minha espera num mundo novo e hostil, a única alma que se lembrou de que eu existia e que me foi dar a mão, mesmo tendo sido sempre meu rival. Mas na hora da verdade estava lá, para me dar um abraço forte.»
Carlos Pinto Coelho, jornalista, e Pedro Bettencourt da Câmara, consultor, estudaram juntos no Colégio dos Maristas, em Lourenço Marques, até ao antigo quinto ano. Separam-se no liceu oficial mas quis o destino que viajassem os dois na mesma altura para Lisboa, para a então denominada metrópole; o objectivo de ambos, estudar Direito. Pedro Bettencourt da Camara tinha chegado algum tempo antes. «Sabia que o Carlos Nuno vinha e ir esperá-lo era algo natural. Apesar de a nossa relação não ser muito próxima, foi uma forma de lhe dar as boas-vindas a um meio que era estranho para os dois», partilha. Foi levá-lo ao Colégio Universitário Pio XII. «Devemos ter ido tomar café uma ou duas vezes, e voltámos a perder contacto», constata Carlos Pinto Coelho. «E nunca mais a vida nos aproximou.»
Recuando até aos tempos da primária, Pedro Bettencourt da Camara recorda que conheceu Carlos Pinto Coelho quanto entrou para os Maristas, «tinha uns seis ou sete anos». Continua... «A partir de determinada altura passámos a ser colegas de turma e havia uma certa rivalidade, porque ambos queríamos ter as melhores notas.» É que «às sextas-feiras, antes de irmos de fim-de-semana, eram distribuídas as cadernetas com as notas semanais e os resultados eram anunciados perante todos», explica Carlos Pinto Coelho. «O primeiro ou era eu, ou ele. Havia uma tensão enorme», acrescenta. Quando passaram para o liceu público, Carlos Pinto Coelho e Pedro Bettencourt da Camara deixaram de ser colegas, mas voltaram a encontrar-se em Lisboa, pois o destino de ambos era o mesmo, a Faculdade de Direito de Lisboa (FDL). O país que encontraram nada tinha a ver com a realidade que conheciam...
«O Portugal de então era um mundo feio. As pessoas andavam com medo na rua, as mulheres vestiam de escuro, os homens cuspiam para o chão, havia a polícia política e a ditadura… Lisboa era abominável. Os portugueses rosnavam uns aos outros», lembra Carlos Pinto Coelho. Já Pedro Bettencourt da Camara ficou impressionado sobretudo pelo facto de a sociedade portuguesa ser «muito estratificada e fechada», contrastando com a moçambicana, que era «extremamente aberta e com elevado grau de mobilidade». Existiam «barreiras tácitas que impediam a evolução das pessoas. E a faculdade era o espelho fiel disso», afirma. «As pessoas não falavam umas com as outras. Constituíam-se pequenos grupos que agiam de forma autónoma.»
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Negativa determinante
Apesar de estarem os dois na mesma faculdade, Pedro Bettencourt da Camara e Carlos Pinto Coelho perderam praticamente o contacto. Acabaram por seguir caminhos distintos, curiosamente fora da área do Direito. Um optou pelo mundo da Gestão, o outro seguiu a via do Jornalismo. Carlos Pinto Coelho nem chegou a concluir o curso. «Fui um belo estudante de Direito e acho até que hoje poderia ser um bom jurista.» Mas, depois de ter chegado ao último ano sem deixar nenhuma cadeira para trás, o professor Oliveira Ascensão chumbou-o a Direito das Sucessões. Viu a pauta, desceu as escadas da FDL e nunca mais as voltou a subir. Filho de juiz, nunca tinha pensado seguir outra carreira que não a magistratura, mas no dia seguinte tornou-se jornalista.
«Cheguei à residência, disse que não voltava mais à faculdade e o director, o padre Joaquim António de Aguiar, que achava que eu escrevia bem, telefonou para o ministro dos Negócios Estrangeiros, amigo íntimo do director do ‘Diário de Notícias’ (DN), e pediu-lhe que me recebesse. E fiquei», conta Carlos Pinto Coelho. Esteve lá dois anos, voltando depois a Moçambique para cumprir o serviço militar. Um grave acidente fez com que regressasse antes do previsto. Voltou para o DN, entrando também para a agência de notícias ANI. Depois veio o 25 de Abril e «foi o turbilhão que conhecemos», relembra. «O Partido Comunista tomou conta do jornal, José Saramago foi nomeado sub-director e pôs na rua, em 24 horas, 18 jornalistas. Fiquei desesperado porque já era pai de duas filhas e quando se era saneado não se conseguia emprego em mais jornal nenhum.» Mas só ficaria desempregado 12 horas, «o tempo de beber duas garrafas de ‘whisky’», confessa. «Como todas as noites, fui ao bar Snob. Por volta das seis e meia da manhã, entra um jornalista que me convida para ir para chefe de Política Internacional num jornal que ia abrir, o ‘Jornal Novo’.» E foi.
Um editorial muito violento que Carlos Pinto Coelho escreveu sobre a posição de Portugal na NATO serviu de rastilho para o seu ingresso no jornalismo televisivo. «Foi lido pela administração da RTP, que de seguida me convidou para dirigir a secção de Política Internacional do ‘Telejornal’. Não respondi logo, e nessa mesma noite alteraram o convite para director-adjunto de informação do ‘Telejornal’. Nunca tinha feito televisão na vida, mas aceitei.» Volvidos dois anos, passou a apresentar o «Telejornal», depois fundou o telejornal do Canal 2 até que, em 1982, esteve à beira de ir para a rua. «A presidência do Proença de Carvalho foi um mau período para a liberdade de expressão», lamenta. «Mas depois apareceu outra administração que me convidou para director de programas. E a partir dai a minha vida estabilizou. Comecei também a fazer rádio.» Com o fim do programa cultural da Dois, o «Acontece», que durante vários anos planificou e apresentou, deixou a televisão.
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Independência de acção e pensamento
Ao contrário de Carlos Pinto Coelho, Pedro Bettencourt da Camara acabou o curso de Direito, mas chegou à conclusão de que era a área da Gestão que mais lhe interessava. Começou por trabalhar como responsável das Relações de Trabalho, na Shell Portuguesa. «Estamos a falar em finais da década de 1970, quando as relações de trabalho eram um ponto nevrálgico para as empresas», contextualiza. «A população fabril era representada por uma constelação de sindicados e os processos de negociação eram complexos. Foi uma escola, não tanto na arte de negociar, mas sobretudo para aprender a perceber o ponto de vista dos outros e a não olhar para os problemas de forma linear.»
A ideia de que «não se poderia ter uma evolução significativa a não ser passando pelas áreas de negócio propriamente ditas» fez com que Pedro Bettencourt da Camara aceitasse o desafio de ir para Inglaterra conhecer melhor o grupo. Mas um processo de ‘downsizing’ precipitou o seu regresso passados poucos meses. «Quando voltei, propuseram-me que fosse para a área de Vendas, para conhecer o ‘core business’ da empresa. Estive lá cerca de quatro anos, até que o administrador achou que devia voltar para a área de Recursos Humanos.» Passou então a director de Pessoal. «Só que a minha chegada ao cargo coincidiu com a vinda de um holandês em fim de carreira para administrador-delegado. Não tinha margem de manobra, porque ele não queria que se fizessem muitas ondas. Ao fim de um ano nessa situação, saí.»
Pedro Bettencourt da Camara respondeu então a um anúncio do «Expresso», para director de Recursos Humanos da Digital, uma empresa de tecnologias de informação. Três semanas depois foi chamado para uma entrevista e ficou com o lugar. A empresa entrou em crise três anos depois… «Quase em simultâneo, surgiram várias propostas de trabalho muito interessantes, através de ‘head-hunters’. Acabei por ir para a Pepsi, que pretendia construir uma fábrica em Portugal, de raiz, que combinasse o que de melhor havia no seu sistema. Para isso, ia criar um ‘dream team’ e eu ficaria responsável pela componente de Recursos Humanos e de construção da estrutura organizacional.» A fábrica foi inaugurada em 1993, mas quatro anos depois resolveram iberizar a sua operação. «A componente estratégica passava para Espanha e eu ficava só com a componente operacional dos Recursos Humanos. Achei que para isso não servia», afirma.
Foi nessa altura que o consultor decidiu que estava na hora de pensar numa alternativa profissional. Escolheu potenciar a componente académica que sempre manteve ao longo da sua vida profissional e fazer uso da «experiência acumulada em relação ao mercado para passar de empregado por conta de outrem a profissional liberal». Constituiu a sua empresa e quase há 10 anos que trabalha como consultor de empresas e simultaneamente como professor universitário. «A independência de pensamento e de acção, que prezo muito, é total.»
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Nestes dois percursos distintos, poucas foram as vezes que Carlos Pinto Coelho e Pedro Bettencourt da Camara se encontraram. «Cruzámo-nos algumas vezes na RTP, porque o ‘Dinheiro Vivo’, programa sobre Economia e Gestão no qual fiz algumas intervenções, era gravado a seguir ao ‘Acontece’», diz o consultor. «E um dia recebi um convite em casa para uma exposição de fotografia, com uma nota manuscrita pelo Carlos que dizia: «Pedro, aparece que quero dar-te um abraço.» Tivemos um percurso comum numa fase muito marcante na vida. Por isso, apesar dos caminhos diferentes, ficou uma estima e um respeito mútuo.» Sentimento idêntico nutre Carlos Pinto Coelho, que afirma que, hoje, se considera um «sólido amigo do Pedro». «A nossa história é tipo um conto fantástico.»
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Carlos Pinto Coelho/ Pedro Bettencourt da Camara
Carlos Nuno Pinto Coelho frequentou a Faculdade de Direito de Lisboa (FDL) até ao quinto ano, enveredando depois pelo jornalismo. Passou pelo Diário de Notícias, pela ANI, pela rádio Deutsche Welle, pela revista «Mais» e, em 1977, entrou para a RTP, como director-adjunto de informação. Saiu em 2003, com o fim do programa «Acontece». Antes foi chefe de redacção do Canal 2, director de programas e director de Cooperação e Relações Internacionais, autor e apresentador de vários programas. Escreve regularmente para a imprensa, é realizador e apresentador de programas na rádio, dá aulas de Jornalismo e faz fotografia.
Pedro Rui Bettencourt da Camara é licenciado em Direito, também pela FDL, tendo posteriormente frequentado cursos de pós-graduação em Gestão, tanto em Portugal como no estrangeiro. Desenvolveu a sua carreira profissional nas áreas de Recursos Humanos e Desenvolvimento Organizacional, tendo fundado a sua própria empresa de consultoria em 1998 – a PCA Consultores. Paralelamente, é professor convidado, na área de Gestão, na Universidade Católica, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e na Universidade Lusíada. Tem vários livros publicados, de entre os quais se destaca o ‘best-seller’ «Humanator» (de que é co-autor).

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Revista «human» de Janeiro

(clicar na imagem para aumentar)

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Nas bancas desde o passado dia 31. É o número 25, de Janeiro de 2011. Mais informações sobre a edição aqui. Deixo a seguir o meu editorial…
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Novo ano
Esta edição marca o início do terceiro ano da «human». O número 25. Mas não é apenas esse número. A mesma equipa da «human» conduziu antes um outro projecto editorial, e fê-lo desde o número um até ao número 75. Ou seja, juntando as duas experiências a equipa chega agora, em Janeiro de 2011, ao número 100. Devo concentrar-me apenas na «human», claro, mas não podia deixar de assinalar este facto, para nós bem relevante.
Começamos o novo ano com algumas novidades no alinhamento, nomeadamente dois espaços, um denominado «Sucesso.pt» (com experiências empresariais que têm uma marca portuguesa e de que o primeiro exemplo é o grupo hoteleiro Vila Galé) e outro assinado por Maria Duarte Bello, sobre o tema personal branding, que explora a ideia de desenvolvimento de uma marca pessoal. É um pouco o que aconteceu no início de 2010, quando introduzimos novas secções na revista, por exemplo a de responsabilidade social, que este mês é tema de capa, com um projecto ligado a uma causa muito, mesmo muito, meritória, o projecto «Sorriso da Rita». Este projecto nasceu da vontade dos pais de uma criança com paralisia cerebral, que quiseram chamar a atenção para a doença e, principalmente, para as dificuldades sentidas pelas famílias que a conhecem. Um dos rostos do projecto é precisamente o pai da Rita, o conhecido jornalista Mário Augusto, que faz a capa desta edição. Bem merece todo o apoio este projecto e o destaque que aqui lhe damos.
Um bom ano de 2011 para todos os leitores, colaboradores, anunciantes e demais parceiros da «human»!

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